Parte 1: O Fardo de Bergan
O cockpit era apertado. Kael podia tocar os anteparos opostos com os braços estendidos, e a promessa de liberdade em pilotar um BattleMech leve e rápido se esvaía a cada hora de patrulha. O calor da tarde, mesmo filtrado pelos sistemas de vida da cabine, cozinhava o ar. O visor formava uma faixa de cento e oitenta graus à sua frente, exibindo as planícies secas de Xibalba — um mundo sem glória onde ele ganhava C-bills suficientes apenas para manter seu contrato de guarnição.
Seu BattleMech, um Locust LCT-1V, era o epítome do batedor, mas também o símbolo do azar. Kael forçava a si mesmo a esquecer a história infame de Savannah Johnson, a piloto cuja reputação foi feita em pedaços por um mero hovercraft de cinco toneladas. Um Locust não foi feito para engajar outros BattleMechs, uma lição que todos os pilotos aprendem rapidamente, geralmente da maneira mais difícil. Para Kael, um mercenário focado na ascensão, o Locust era o degrau mais baixo, mas ele se recusava a se tornar mais uma estatística de derrota desastrosa.
O Locust era uma aberração do design humanoide típico. O corpo e a cabeça eram fundidos em uma única fuselagem plana, suspensa entre pernas longas e de canted digitigrade. A máquina, com suas pernas esguias e pés flangeados em forma de garra, parecia um pássaro gigantesco e incapaz de voar. Pesando apenas 20 toneladas, era o ‘Mech mais rápido que Kael conhecia, capaz de atingir velocidades de até 130 kph em terreno aberto.
“Patrulha estendida, Setor Delta. Alvo: detecção de veículos blindados,” uma voz áspera sibilou em seu neurocapacete.
Kael grunhiu. Veículos blindados. Sempre alvos que pagavam pouco e traziam risco desnecessário. O Locust era um chassi venerável, uma lenda na guerra por sua adaptabilidade e ubíqua presença na Esfera Interior. Mas ele sabia que a reputação era superestimada para o piloto na linha de frente: ele tinha em seus braços o armamento padrão, limitado a um medium laser e um par de heavy machine guns, armas mais adequadas para assédio rápido do que para combate sustentado.
Ele pressionou os controles, e o Locust de pernas finas e longas disparou sobre os sedimentos estratificados do deserto. A cabine, uma emaranhada selva de cabos e circuitos expostos, tremia em sincronia com o motor.
Kael pensou na Lança de Fogo da qual ele fazia parte temporariamente, um grupo azarado que mal mantinha sua reputação. Ele precisava de mais do que a velocidade e a agilidade desta “cigarrinha” de 20 toneladas. Ele precisava de tonelagem, precisava de poder de fogo. Ele ansiava por um dia em que pudesse pilotar algo mais robusto, um Shadow Hawk talvez, ou mesmo um Trebuchet, e deixar para trás a era da Bergan Industries e sua criação mais subestimada.
“Mantendo a velocidade máxima, Comandante,” ele respondeu, sua voz seca.
Ele observava seu sistema de identificação de ameaças no visor. O radar mostrava uma assinatura que não era de um veículo, mas sim de um ‘Mech médio, lento e pesado. Seu Locust nunca foi feito para isso.
Kael aumentou a velocidade, usando toda a capacidade de manobra do Locust. Se ele quisesse ascender, não poderia fugir de uma oportunidade de provar-se superior à sua máquina.
Parte 2: O Batismo de Fogo
O rugido do motor de fusão do Locust soava alto demais no cockpit estreito. Kael estava correndo, gastando cada um dos 130 kph que o chassi de 20 toneladas podia oferecer. A paisagem de Xibalba se liquefez em uma faixa marrom e cinza, projetada em seu visor. Ele sentia a estrutura leve do Locust ranger e balançar a cada impacto nas saliências rochosas.
A assinatura do ‘Mech médio que ele detectou não era um erro. Erguendo-se sobre uma crista de terra erodida, como um monumento à sua iminente desgraça, estava um Shadow Hawk. Pesando pelo menos 55 toneladas, era uma montanha de metal comparado à “cigarrinha” de Kael.
“LCT-1V, mantendo velocidade máxima, aproximando-se do alvo,” Kael sibilou, sentindo o suor escorrer pelo seu neurocapacete.
O Shadow Hawk virou-se lentamente, sua pose robusta e equilibrada contrastando com a estrutura fina e patinada do Locust. O inimigo era cauteloso; provavelmente nunca esperava que um Locust avançasse para o ataque. Perfeito. Kael não tinha a intenção de lutar; ele pretendia dar um beijo e fugir, usando a velocidade lendária de seu ‘Mech.
O alvo estava a menos de quinhentos metros. O momento de hesitação do Shadow Hawk permitiu que Kael travasse o alvo.
Fzzzzzt! O medium laser do Locust disparou, uma lança de energia vermelha que atingiu o torso esquerdo do Shadow Hawk. Uma nuvem de poeira metálica e fumaça subiu. Não era um dano incapacitante, mas era o suficiente para provocar.
O Shadow Hawk rugiu. Seus atuadores guincharam enquanto ele se virava, e Kael viu a silhueta da arma principal do inimigo se alinhando.
Kael sentiu o impacto antes de ouvi-lo. Foi um golpe massivo, como se um planeta inteiro tivesse socado o seu chassi. O golpe, vindo da frente, estilhaçou a blindagem do seu torso direito, enviando faíscas azuis por toda a cabine. O alarme de dano piscava freneticamente no vermelho, uma cor que Kael conhecia bem, mas que nunca deixava de causar terror.
“Acerto na armadura, perdendo integridade do chassi!” Kael tossiu, o ar filtrado cheirando a ozônio e metal queimado. Ele lutou desesperadamente com os controles. O Locust cambaleou. A vibração incessante de seus atuadores expostos transmitia um terror palpável, um sinal de que a fragilidade do Locust LCT-1V havia sido confirmada.
Ele sabia o que precisava fazer. Não seja mais um Savannah Johnson.
“Máquinas Pesadas, fogo de supressão!” Kael gritou, acionando o par de heavy machine guns do Locust. Os canos vomitaram torrentes de projéteis, visando as pernas do Shadow Hawk, assédio puro.
O Shadow Hawk, temporariamente irritado e cego pela poeira e pelo fogo das metralhadoras, parou o avanço. Kael usou esse microssegundo para executar uma manobra de desvio lateral violenta, empurrando o ‘Mech de 20 toneladas para a direita. A velocidade o salvou de um segundo golpe mortal. O feixe de energia do Shadow Hawk cortou o ar onde o Locust estivera um instante antes, incinerando uma rocha basáltica próxima.
Ele estava quente, ferido e com a blindagem comprometida. Mas ele estava vivo. Ele não havia fugido, nem sido esmagado.
Avançar era suicídio. Ficar parado era rendição.
“Retirada! Direção: Garganta Leste. Velocidade máxima!”
Kael acelerou, deixando o Shadow Hawk para trás em uma nuvem de fumaça e areia. Seu objetivo não era destruir o inimigo—isso estava acima de sua capacidade. Seu objetivo era sobreviver, aprender, e provar que, mesmo com a reputação de ser o ‘Mech mais fraco, ele, Kael, não seria mais um mercenário ignorado.
Parte 3: O Caminho Estreito da Fuga
Kael mergulhou na Garganta Leste. O chão sob os pés flangeados de seu Locust LCT-1V era composto por detritos rochosos e cascalho solto. Ele manobrava o BattleMech leve em alta velocidade, as longas pernas movendo-se em zigue-zague desesperado para evitar o impacto nas paredes íngremes e irregulares da ravina, típicas de terrenos acidentados.
O Shadow Hawk, com suas 55 toneladas, não conseguia igualar a agilidade e a velocidade do Locust naquele terreno. Kael podia ouvir o barulho distante dos atuadores do ‘Mech médio lutando para manter o ritmo a cada mudança de nível no terreno.
“Mantenha-se vivo,” Kael sibilou para si mesmo. A armadura comprometida em seu torso direito fazia com que cada vibração fosse um lembrete do quão perto ele estivera de ser abatido e se juntar aos “mortos esquecidos” que não se tornam lendas. Mercenários prudentes sabem quando se retirar para preservar suas unidades.
Ele olhou para o visor. O Shadow Hawk continuava a avançar, confiando em sua blindagem superior e potência de fogo. Kael notou uma seção da garganta que se estreitava abruptamente, forçando qualquer ‘Mech a andar em passo único.
Kael empurrou os sticks de controle. O LCT-1V atingiu o segmento estreito, deslizando entre as rochas como uma mosca zunindo. O Shadow Hawk, por outro lado, precisaria desacelerar para negociar a passagem.
Este era o momento de virar a mesa. Ele não tinha como vencer em combate stand-up, mas a velocidade e o reconhecimento eram seus únicos ativos. Kael lembrou-se do conselho que lhe fora dado: o corpo humanoide do ‘Mech, embora vulnerável, era adaptável para terrenos difíceis e verticais.
Kael girou o Locust de lado, expondo seu lado esquerdo intacto, e esperou o Shadow Hawk entrar no gargalo, forçando-o a concentrar seu foco na manobra e não no radar.
CRACK-BOOM!
O rugido da arma de Kael desta vez foi ensurdecedor. O medium laser e os heavy machine guns dispararam em uma salva concentrada, não contra o torso pesado, mas contra o atuador de joelho direito do Shadow Hawk.
O ‘Mech médio guinchou, mais em surpresa do que em dor grave. O golpe foi um assédio puro, danificando a armadura da perna e, Kael esperava, comprometendo a mobilidade do inimigo.
O piloto do Shadow Hawk, furioso e agora desequilibrado, tentou responder com um disparo de sua arma principal. No entanto, o tempo de reação de Kael era crucial. Usando a inércia da manobra, o Locust se impulsionou para fora do gargalo, retornando à velocidade máxima sobre a planície que se abria no final da ravina.
O tiro do Shadow Hawk errou por pouco. A energia explodiu em uma parede de rocha, enviando estilhaços de basalto para o céu enfumaçado.
Kael não diminuiu a velocidade. Ele estava quente e sentia o cheiro de ozônio e metal superaquecido na cabine.
“Contato rompido. Inimigo desengajado… temporariamente,” Kael relatou ao seu comando, a voz ofegante, mas firme.
Ele continuou correndo, agora sabendo que o Shadow Hawk, com um atuador de perna potencialmente danificado, não conseguiria alcançá-lo sem correr o risco de cair e sofrer danos críticos.
A adrenalina deu lugar a uma exaustão fria. Kael havia sobrevivido a um confronto direto com uma força maciçamente superior. Ele se recusou a ser derrotado.
O Locust tremeu. Ele precisaria de reparos substanciais em sua blindagem do torso direito antes da próxima patrulha. Mas, o que importava, era que ele não havia perdido o ‘Mech nem a vida. Ele havia conseguido provar que, com astúcia e velocidade, um mercenário pode transcender as limitações de sua máquina. Kael havia sobrevivido e, por enquanto, ganhado o direito de ascender para o próximo contrato, ansioso por substituir a fragilidade de seu ‘Mech por tonelagem e poder de fogo.
Ele sabia que em um universo onde mercenários buscam contratos lucrativos e notoriedade, sobreviver a um ataque de um ‘Mech médio com um Locust de 20 toneladas era uma história que lhe traria o tipo de reputação que ele precisava para crescer.
