GARGANTAS DE SOTER
ASTRAEA IX
PERIFERIA RIMWARD
19 DE JUNHO 3030
11:30H
PARTE I: Lança Sombra de Ferro
O ar rarefeito de Astraea IX chicoteava contra a blindagem do Marauder MAD-3R, fazendo a fuselagem de 75 toneladas vibrar ligeiramente. Dentro do cockpit quente, o Capitão Silas Vance, conhecido pelo codinome “Sentinel,” ajustou o neurocapacete. Ele sentia a poderosa conexão sináptica que transformava seu corpo em uma extensão do titã de metal, uma experiência que diferenciava os MechWarriors de elite.
O Marauder era o coração da Lança Sombra de Ferro. Seu design era famoso por ser visualmente icônico e único na classe Pesada. Em vez da silhueta humanoide comum, o Marauder se assemelhava a uma bateria de canhão ambulante: suas pernas digitígradas grossas terminavam em pés fendidos, e seus antebraços pesados e sem mãos projetavam-se para a frente de sua proa estreita. Montados sobre o torso, dois imponentes Canhões de Partículas (PPCs) davam-lhe a temível “asa” que definia sua identidade. Silas valorizava esta máquina, fabricada pela General Motors, não apenas por seu poder de fogo formidável, mas porque o Marauder era frequentemente projetado como um ‘Mech de Comando’, uma designação que sublinhava sua autoridade na força mercenária.
“Echo, mantenha a cobertura à direita. Rourke, atento aos flancos. Longshot, pronto para chover fogo. Lançamento em dez segundos,” a voz de Silas sibilou no rádio, calma apesar da descida vertiginosa para o complexo de refino.
Ao lado direito de Silas, MechWarrior Elara Sato, “Echo,” movia seu Warhammer WHM-6R com a competência de uma veterana. O Warhammer, uma máquina de 70 toneladas, era um brawler por excelência. Sua força residia no arsenal pesado centrado em uma matriz de lasers. A máquina estava armada para combate próximo e usava Lasers Médios e PPCs para atacar inimigos a longas distâncias, com Mísseis de Curto Alcance (SRMs) prontos para explorar qualquer falha aberta na blindagem. A armadura do Warhammer era conhecida por ser uma placa robusta, tornando-o extremamente seguro contra o fogo inimigo. Elara sentia a pulsação do reator de fusão que alimentava toda aquela destruição, ciente de que, embora gerasse calor considerável, era a fonte de seu domínio no campo de batalha.
“Entendido, Sentinel. Ninguém passa por mim,” respondeu Elara, sua voz filtrada com confiança.
Na vanguarda, movendo-se com a velocidade exigida de um batedor, estava o Griffin GRF-1N. O Griffin, um ‘Mech Médio de 55 toneladas, era pilotado por Jax Rourke, “Wrench.” O Griffin é um design clássico da Esfera Interior. Equipado com jatos de salto, era uma plataforma versátil, equilibrando velocidade e poder de fogo. Seu armamento principal era um Grande Laser e lançadores de mísseis. Uma peculiaridade técnica notável no Griffin, remontando aos projetos do início da Era da Liga Estelar, era a característica de possuir uma Arma com Capacidade de Ejeção (Jettison-Capable Weapon): o Grande Laser montado podia ser descartado em combate se estivesse muito danificado, para garantir a segurança da máquina, uma medida incomum em muitos designs modernos. Jax sentia o medo frio em seu ventre, e a ansiedade não vinha da poeira do desfiladeiro.
Fechando a formação, o Tenente Kael Brandt, “Longshot,” comandava seu Archer ARC-4M. O Archer, um ‘Mech Pesado de 70 toneladas, era um símbolo de suporte de fogo. Sua função principal era “chover mísseis como fogo do inferno sobre o inimigo”. O Archer quase sempre montava dois dos maiores lançadores de Mísseis de Longo Alcance (LRMs) práticos para garantir a máxima carnificina. Para um ‘Mech focado em projéteis de longa distância, o Archer ARC-4M2 também possuía a característica de ter ‘Battlefists’, indicando que, apesar de ser um barco de mísseis, seus atuadores de mão eram reforçados para combate corpo a corpo, como as manoplas do Awesome.
O Contrato: Incursão na Garganta de Soter
A Lança Sombra de Ferro estava em Astraea IX, um mundo com temperaturas médias de 65 graus Celsius em seu equador. O ambiente era áspero, assolado pela guerra, com ruínas de arquitetura brutalista deixadas por antigas ocupações. O contrato era uma Incursão de Objetivo: destruir o posto avançado de comando do Consórcio Sírius, um alvo estratégico crucial.
“O objetivo é simples: desabilitar o QG e a comunicação inimiga. Mantenham a agressividade, mas não sejam tolos. Somos mercenários. Nós sobrevivemos, e recebemos o pagamento,” instruiu Silas, fixando o horizonte.
Avançando pelo vale rochoso da Garganta de Soter, Silas detectou os primeiros contatos.
“Atenção, contato inimigo! Veículos leves de segurança, em velocidade máxima. Longshot, comece a festa. Fogo de supressão!”
Kael respondeu com sua precisão metódica. As caixas maciças de mísseis do Archer guincharam. Uma barragem de LRMs subiu ao céu, traçando arcos longos e mortais em direção aos veículos. O ataque de supressão iniciou o confronto.
PARTE II: O Preço da Confiança na Garganta de Soter
O ambiente árido de Astraea IX na Garganta de Soter era um inimigo tão implacável quanto qualquer BattleMech. A poeira cáustica e o cascalho eram constantemente agitados, diminuindo a visibilidade, enquanto a temperatura ambiente, que chegava a 60 graus Celsius ou mais, ameaçava a eficiência dos dissipadores de calor de todas as máquinas. O ar, denso e seco, cheirava a minerais oxidados e a energia dissipada dos primeiros disparos.
Kael Brandt, em seu Archer ARC-4M2 de 70 toneladas, mantinha a distância exata, operando como uma bateria de artilharia móvel, a função primordial deste chassi. As duas caixas de mísseis Doombud LRM 20 em seus ombros lançaram mais uma salva. Ele podia sentir o recuo suave, pois o Archer é notável pela sua estabilidade. A barragem de Mísseis de Longo Alcance (LRMs) varreu os pontos de defesa veicular restantes do Consórcio Sírius, abrindo uma linha de fogo direta para o bunker de comando, que estava protegido por grossas paredes de ferrocreto.
Silas, o Capitão, avançou com seu Marauder MAD-3R de 75 toneladas. Sua máquina era o epítome de um ‘Mech Sniper’, dependendo da precisão e do poder bruto dos Canhões de Projeção de Partículas de Alcance Estendido (ER PPCs) Magna Firestar. O Marauder utilizava o avançado sistema de Targeting & Tracking (T&T) Dalban HiRez II para travar o alvo. Silas estabilizou os giroscópios, preparando a máquina para descarregar o golpe decisivo na torre de comunicação, o nervo central do complexo inimigo.
“Echo, flanqueie e se prepare para absorver o fogo de contenção. Wrench, encontre aquele ponto cego e confirme as coordenadas da torre. Preciso de um tiro limpo para desabilitar o QG,” ordenou Silas.
Elara Sato no seu Warhammer WHM-6R avançava. O Warhammer, com sua blindagem Maximillian 100, era feito para isso: aproximar-se e sobreviver. Ela sentia a intensidade do calor em seu cockpit, sabendo que o uso prolongado de seus PPCs e lasers a levaria ao limite térmico.
Jax Rourke, o MechWarrior inexperiente, acionou os Jatos de Salto Rawlings 45 de seu Griffin GRF-1N de 55 toneladas. A máquina ganhou altura rapidamente, permitindo-lhe pousar em um precário afloramento rochoso com uma vista desimpedida da base. A peculiaridade do Griffin em ser uma plataforma de salto rápida o colocava na posição ideal para o reconhecimento aéreo.
Enquanto o sistema Dalban HiRez II do Marauder de Silas finalizava o cálculo da trajetória do PPC, Jax executou a primeira fase de sua traição, com uma precisão cirúrgica.
Ele ativou discretamente um pequeno dispositivo de guerra eletrônica (EW), não um conjunto ECM completo e rastreável, mas um pulso de rádio focado de alta energia e curtíssima duração, ajustado para a frequência exata que interferiria nos circuitos de aquisição de alvos do Sentinel. O Marauder de Silas, embora possuísse sistemas Dalban, era uma máquina da Era Sucessória e vulnerável a tais interferências táticas.
No cockpit de Silas, a interface de controle de fogo cintilou e falhou por uma fração de segundo. Não foi um desligamento total, mas uma corrupção sutil: a imagem da torre de comunicação no HUD (Head-Up Display) deslocou-se dois metros lateralmente. A interferência cessou antes que Silas pudesse processar o que havia acontecido, parecendo apenas um erro momentâneo do sensor devido ao calor extremo ou à poeira.
O tiro foi disparado. Os PPCs Magna Firestar do Marauder rugiram, liberando raios intensos de partículas de prótons. O disparo, desviado pelo pulso eletromagnético, falhou o centro vital da torre, atingindo a base reforçada de ferrocreto, resultando em uma explosão massiva de detritos incinerados, mas deixando os sistemas de comunicação inimigos operacionais.
“O que diabos foi isso? Alguém tem um jammer escondido lá embaixo, ou meu T&T fritou! Kael, mantenha a supressão! Echo, estamos avançando. Precisamos de fogo direto,” rosnou Silas, a frustração evidente em sua voz.
A primeira parte da traição de Jax havia sido concluída com sucesso: o ataque crucial do comandante falhou, forçando a Lança Sombra de Ferro a um combate próximo e sangrento, onde o poder de fogo massivo de longo alcance do Archer de Kael seria neutralizado, e onde o Warhammer de Elara teria que lutar no seu limite térmico, na linha de frente. A Lança estava agora comprometida com a entrada na Garganta, sem ter neutralizado a comunicação do alvo.
Jax, no seu poleiro de pedra, observou Elara fechar a distância com o Warhammer. A tensão era insuportável, mas o plano, ditado por seu contratante secreto, estava em andamento.
PARTE III: O Fogo Interno na Garganta de Soter
O calor na Garganta de Soter não vinha apenas do sol K4V, mas da energia bruta liberada pelo combate. O ar estava saturado com o cheiro de propelente de mísseis queimados e o ozônio dos lasers, enquanto a poeira fina se solidificava nas fendas da blindagem dos BattleMechs.
Elara Sato, “Echo,” no seu Warhammer WHM-6R de 70 toneladas, já estava na linha de fogo. A armadura frontal Starcorps 100 do Warhammer absorveu o primeiro jorro de fogo de lasers de defesa do bunker. Ela revidou. O disparo dos dois Donal PPCs foi estrondoso, liberando feixes de energia que vaporizaram os pontos de apoio de metralhadoras inimigas. No entanto, o custo era iminente: o medidor térmico em seu console disparava. O Warhammer era uma usina de força conhecida por sua propensão ao superaquecimento. O cockpit de Elara estava um inferno úmido.
Silas Vance, no Marauder MAD-3R, lutava contra a anomalia remanescente causada pelo pulso sutil de Jax. Seu sistema de controle de tiro Dalban Hi-Rez II estava irregular. Ele conseguiu disparar um dos seus Magna Hellstar PPCs no flanco do bunker, mas o alvo primário – a torre de comunicação – permanecia teimosamente em pé.
“Reforços inimigos detectados!” A voz de Kael, do Archer ARC-4M, soou no rádio. “Dois BattleMechs Pesados, entrando pelo vale a sudeste, rápido!”
A situação piorava. Silas estava lutando contra sua própria máquina; Elara estava prestes a fritar, e Kael estava muito longe para um suporte preciso, limitado a salvas dispersas de LRMs que raramente acertavam os alvos em movimento rápido.
Jax Rourke, aninhado no alto, tinha a visão perfeita do campo. Seu Griffin GRF-1N era o único ‘Mech na lança que se movia sem problemas. Ele observou Elara no Warhammer avançar, a silhueta da máquina agora liberando grossas plumas de vapor dos dissipadores de calor em chamas.
A segunda fase da traição de Jax exigia que o brawler fosse neutralizado rapidamente. Elara, em combate próximo, era a maior ameaça à conclusão do contrato.
Jax manipulou o sistema de aquisição de alvos do seu Griffin. Ele não mirou em Elara, mas sim na saliência rochosa dez metros atrás e acima de Kael, o “Longshot”.
Ele disparou um Grande Laser do seu Griffin. O feixe laser não era apenas uma arma de dano, mas uma fonte concentrada de energia térmica. O tiro, deliberadamente fora de curso para parecer um erro de visada, atingiu a rocha. A pedra, já fragilizada pelo bombardeio inicial, implodiu em uma chuva de estilhaços e poeira.
No cockpit do Archer, Kael grunhiu. Embora a armadura Valiant Lamellor do seu ‘Mech tivesse aguentado, a explosão de rocha e poeira de silicato inundou as aberturas do seu sistema óptico e de comunicação O/P 3000 COMSET na cabeça do Archer.
“Cego! Estou cego pela poeira!” Kael gritou.
Jax sorriu friamente. Ele havia atingido a coordenação. Sem comunicação limpa ou sensores funcionais, o Archer não passava de um barco de mísseis desperdiçando munição no desfiladeiro. Kael não conseguiria mais direcionar fogo de longo alcance com precisão nem alertar a lança sobre a aproximação traiçoeira dos reforços inimigos.
Os dois ‘Mechs inimigos, um Black Knight e um Rifleman — ambos designs pesados equipados para sustentar fogo — emergiram da cortina de poeira e concentraram fogo em Elara.
“Sentinel! O calor está crítico, a armadura está falhando na lateral!” Elara guinchou no rádio.
Silas tentou se concentrar no Black Knight que avançava. Ele disparou. O PPC rasgou a armadura lateral do inimigo, mas não o abateu. O Marauder começou a falhar, os lasers secundários montados no chassi piscaram e morreram, sobrecarregados pelo calor que não conseguia dissipar na temperatura ambiente elevada.
Elara parou seu Warhammer para absorver uma saraivada do Rifleman. Ela tinha que parar para manter a estabilidade de tiro, mas isso a tornou um alvo estacionário. O calor interno estava tão alto que o revestimento interno da armadura de seu cockpit começou a estalar e a fundir em pontos. Ela podia sentir a dor aguda em seus músculos miofibrilares à medida que o calor se intensificava.
Jax viu a oportunidade, calculada e mortal. Elara estava sobrecarregada, e os inimigos estavam focados em seu flanco.
“Wrench, agora! Cobertura!” Silas gritou no rádio, desesperado, ainda lutando para travar seu Magna Hellstar PPC.
Jax acionou os jatos de salto do Griffin e fez um salto curto e rápido de sua posição elevada, aterrissando atrás do Warhammer de Elara.
O Griffin GRF-1N, embora não fosse um ‘Mech de combate corpo a corpo, tinha atuadores fortes. Jax girou o torso do ‘Mech. O Grande Laser de seu braço direito, aquele que ele poderia ejetar, brilhou em uma cor laranja feia à medida que a energia era canalizada.
Jax disparou o Grande Laser na traseira do Warhammer de Elara. A armadura traseira do Warhammer, sempre mais fina, explodiu instantaneamente, revelando o esqueleto estrutural e o casulo de Mísseis de Curto Alcance (SRM-6) alojado no torso.
O disparo de Jax foi o gatilho final. Atingida por trás, a munição de mísseis do Warhammer detonou em uma explosão secundária catastrófica. A força da explosão rasgou o torso do Warhammer, e um braço do ‘Mech voou longe.
Elara nem sequer teve tempo de gritar. Seu sinal se apagou na tela de Silas.
Silas observou o que restava do Warhammer cair, desativado. Ele viu a manobra de Jax, a aterrissagem perfeita e o tiro limpo na retaguarda de sua companheira de lança.
“Jax,” a voz de Silas no rádio era fria, sem emoção, um contraste terrível com a fúria que fervia dentro do cockpit quente. “Você está morto.”
Jax, no Griffin, já estava no ar novamente, usando seus jatos para se afastar rapidamente da Garganta de Soter, correndo para o sul, para as planícies desérticas. Ele havia completado a traição. O pagamento por esta matança viria em um DropShip de espera, longe do calor e da poeira da batalha perdida.
Silas ficou sozinho, seu Marauder danificado, com um Archer cego e a certeza de que a Lança Sombra de Ferro acabara de ser destruída pelo seu próprio MechWarrior mais novo. Os dois BattleMechs inimigos avançavam agora sobre ele, com a Garganta de Soter selando o destino do Capitão Vance.
